Depois de uma primeira investida que veio a público em 2018, o trio italiano Clairvoyance – formado por Gianni Mimmo (saxofone soprano) e pelo duo sardo Silvia Corda (piano e “toy piano”) e Adriano Orrù (contrabaixo) - voltou recentemente à carga com mais um interessante álbum, novamente cunhado com o selo da Amirani Records. Transient é o título deste novo trabalho lançado em meados de 2022. Vem acompanhado de uma bela epígrafe, um haiku de Masuji Ibuse que capta com toda a síntese característica deste tipo de poesia o carácter efeméro – tão trágico quanto natural – de tudo aquilo que é transitório: “Like flowers in a storm, / life is full of goodbyes.”
Estabelecido o tom da conversa nesta cápsula de sentido, segue o trio para uma sessão de aproximadamente 40 minutos de improvisação livre que ora converge para música não-idiomática ora diverge para jazz de faceta clássica. Mimmo, Corda e Orrù são três músicos experientes e criativos, que criam histórias em tempo real como se contassem uma lenda antiga, há muito por eles decorada e aqui apenas reinterpretada e modificada em prol da gravação. Todos dominam a arte da improvisação e facilmente iludem o ouvinte em relação à incerteza do passo seguinte. No fundo, um improvisador é um mágico que em vez de manipular a atenção do espectador, joga com a expectativa do ouvinte.
É esta arte de criação de música livre e espontânea, conjugada com um domínio cabal dos respetivos instrumentos, que faz com que os Clairvoyance criem em Transient uma espécie de longo notturno reinventado, que renuncia à serenidade da noite tão celebrada pelos compositores românticos para antes se debruçar sobre os seus elementos de circunspecção e mistério. Quem segue os lançamentos da Amirani Records já conhece os talentos de Gianni Mimmo e a sua capacidade de se reinventar consoante os músicos com que toca. Neste Transient, o seu saxofonismo revela-se ruminativo e disruptivo – como atestam temas como “Shinjuki” e “Tilting At Crazy Angle” -, apesar de que pontualmente lírico e conciliador. Por ser bastante reactivo ao pianismo sempre inquisitivo de Corda, saxofone e piano envolvem-se amiúde em ostinatos partilhados que dão tração à narrativa. A tensão é um polo constante, e não se pode dizer propriamente que chegue alguma vez a ser resolvida. Talvez seja mesmo esta recusa de estabilidade que torna os raros momentos de consonância num bálsamo que traz uma inesperada airosidade, como a que se sente em “Ripping Lake” quando linhas melódicas perpendiculares se cruzam por instantes numa harmonia reconfortante. Este trabalho, porém, é sobre efemeridade, e o trio salta de cena em cena, ora tocando a baixo volume numa contrição calculada (“Transient Clouds”), ora mergulhando em águas turbulentas onde o caos impera (“Those Telegraph Poles”). Adriano Orrù é o mais textural dos três músicos, por vezes mesmo preterindo qualquer tonalidade para se aventurar por abordagens puramente rítmicas baseadas em técnicas estendidas. Nos momentos em que usa o arco para ricochets e outros movimentos (“Garden Maze”), o contrabaixista confere aos temas uma rugosidade e adstringência adicionais que adensam a atmosfera reflexiva que é a matriz do álbum. Por sua vez, quando opta por dar enfâse harmónica aos seus companheiros (“Last Cranes in The Pond”), imiscui-se nas vibrações colectivas que formam o tecido sonoro dos temas. Há ainda espaço para solos de destaque: o de Mimmo em “Those Telegraph Poles”, e o de Corda em “B&W Vanishing Train”, que completam um trabalho ideal para ouvintes à procura de uma experiência de improvisação introspectiva e cerebra