A dança que duas borboletas fazem quando voam livremente não é algo simplesmente belo de ser observado – é, também, por directa sugestão do título deste disco, a melhor metáfora para descrever a interacção que ocorreu entre os dois músicos autores de Busy Butterflies, o segundo álbum de Gianni Mimmo (saxofone soprano) e Alison Blunt (violino), duo que aqui apresenta o sucessor de Ephemerals. A filosofia subjacente ao disco não poderia ser melhor descrita do que através do sugestivo poema de T. S. Elliot, que se encontra na sua contra-capa, onde se lê: “Não devemos parar de explorar/E o fim de toda a nossa exploração/Será chegar onde começámos/E conhecer esse lugar pela primeira vez” – uma clara alusão ao espírito de insaciável reinvenção e descoberta que o duo apresenta neste trabalho. Gravado na Chiesa di Santa Maria Gualtieri, na cidade de Pavia, em Itália, Busy Butterflies é um álbum de improvisação livre com uma instrumentação que indicia alguma proximidade à sonoridade da dita música erudita. No entanto, e apesar do timbre dos instrumentos e envolvência do disco indiciarem alguma formalidade, a execução propriamente dita e a preferência pela experimentação em detrimento da leitura de pautas incita a que o duo se entregasse a um espontâneo e informal diálogo onde explorou paisagens sónicas criadas no e para o momento.
A sessão abre com uma peça homónima de vinte minutos e meio em que Mimmo e Blunt demonstram algumas das técnicas que caracterizam o disco: o contraponto, a multifonia, a harmonização em conjunto, os sons guturais, rugosidades e texturalidades, perguntas e respostas, polifonias, uníssonos, justaposições e entrelaçamentos. Segue-se “Ravenoville Plage”, um tema onde se escutam melodias que, interessantemente, nos remetem para um imaginário folk onde o violino – carregado de rugosidade e asperidade – dá início a uma dança a dois na qual Mimmo complementa os movimentos de Blunt, da mesma forma que numa conversa alguém termina uma frase que, caso contrário, permaneceria acabada. “Humble Sonata” começa com um toque de dramatismo semi-Shostakovichiano que se resolve à medida que a tensão é substituída por uma leveza quase pueril, atmosfera que leva o duo a explorar motivos cíclicos e iterativos que, por fim, degeneram num sinistro e tenebroso final. Em “Dense-Dance-Evidence” o saxofone é tocado de forma vigorosa e explosiva, chegando mesmo a ser gutural; já o violino, mais dado a texturas e melodias funcionais do que propriamente a harmonizações com o seu parceiro, tanto se assume percussivo – tocado em col legno – como cenicamente atonal. O início de “More Than One Turn” assemelha-se a uma fuga Bachiana em que o violino é tocado quer em arco quer em pizzicato, e o saxofone emite um sopro setífero de timbre suave; a coerência contrapontística é, no entanto, perdida a meio do tema, dando lugar a um final em espiral caótica. “Oracle’s Regret” termina o disco num ambiente calmo e resoluto, com o saxofone a discursar liricamente sobre a paisagem criada pelo violino.
Busy Butterflies é um álbum em que Mimmo e Blunt conseguem manter um ritmo e dinamismo que permitem que nunca nos afastemos demasiado da sua audição. A criatividade da improvisação e a técnica das execuções mantêm-nos curiosamente à espera do próximo som, da próxima textura, da próxima surpresa. Deste modo, apesar da opção da instrumentação ser marcada pela ausência de percussão, esta é uma escolha que expande e dá ênfase aos contornos tímbricos e texturais de cada um dos instrumentos. Não é um disco fácil – exige atenção e paciência -, porém Mimmo e Blunt, claramente, disfrutaram do momento e, indubitavelmente, deram forma a mais um registo de uma colaboração que revela simbiose e entrosamento.