Rumpus Room foi a sala de jogos na qual Gianni Mimmo e Luca Collivasone exploraram as possibilidades electroacústicas do seu duo, qual playground que serviu como tabuleiro para que cada um dos músicos trouxesse a jogo a sua linguagem, originando uma parceria que tem tanto de fascinante como de inusitada. Aliás, esta é uma junção que é descrita em notas de apresentação como uma “colaboração arriscada”, mas que, no entanto, tal como se comprova ao longo da audição do álbum, se traduziu numa exploração sónica de grande densidade textural e de uma riqueza estética com contornos cénicos e cinematográficos interessantíssimos.
Mimmo, como é habitual, apresentou-se ao comando de um instrumento de sopro, desta vez o saxofone soprano, instrumento acústico que contrasta com as topologias eléctricas e ondulatórias produzidas pelo Cacophonator de Collivasone, máquina por ele inventada, metade instrumento metade instalação artística, construído a partir de uma máquina de costura dos anos 1940, que foi aumentada com materiais reciclados, molas, brinquedos e hardware à medida. Este gerador de musique concréte é uma criação com raízes “na música aleatória e na investigação de Pierre Shaeffer”, transcendendo a sua simples função de modulador de sons na medida em que se assune, ele próprio, como um terceiro elemento deste registo, visto que “é tarefa do músico entrar em simbiose com o instrumento e encarar eventos inesperados ou explorar ocasiões interessantes”. Este aproveitamento da serendipidade do Cacophonator requer, certamente, experiência e sensibilidade, facto que exponencia ainda mais o fascínio e curiosidade imediatamente por ele gerados. Apesar destas singulares características, o possível entrosamento desta curiosa criação com o vocabulário de Mimmo – a meio caminho entre as sonoridades jazzísticas e clássicas – não é, de todo, e a priori, aparente. Porém, a sua não-ortogonalidade em relação ao timbre e gramática do saxofone é aqui afirmada veementemente ao longo de 8 temas, muitíssimo bem conseguidos, e que nos fazem navegar por geometrias e colorações únicas, este que é um disco audição recomendada.
“Township Ecstasies” começa com o sax alto literalmente nas alturas, num registo agudo, que, abruptamente, cai para se estabilizar e criar uma composição disforme em que o duo, cautelosamente, apalpa terreno, experimentando e testando os limites mútuos. “Whirling Sema”, avança, discretamente e aos solavancos, criando uma atmosfera sinistra e terrorífica – muito graças aos trítonos debitados pelo Cacophonator, que, gradualmente, vão perdendo coerência -, complementada por frases de Mimmo. “Swooning Benefit” é um tema abstracto no qual ambos os músicos se entregam a uma meditativa reflexão: ouvem-se notas longas multifónicas vindas do saxofone, longitudinalmente justapostas a serenas granularidades electrónicas; além disso, entra em cena uma textura percussiva, que guia o duo até ao final do tema. Em “As You Certainly Know”, Collivasone cola-se a um quasi-ostinato que repete enquanto Mimmo navega por variações melódicas sobre o tema. “Nattmara” é experimental, quase lúdico e divertido – uma exploração do acaso do Cacophonator; apesar disto, de forma brilhante, Mimmo consegue desenterrar ao silêncio melodias que adornam os estranhos sons, por vezes fónicos, que Collivasone extrai da sua invenção. “Severe” e “Beyond Turbulence” – duas curtas faixas, ambas com dois minutos e vinte segundos – são provavelmente experiências de design de som, dominadas por Collivasone e com pontuais intervenções de Mimmo. Para rematar, “Longing of a Dragonfly” pode ser considerado uma síntese do que se ouviu até aqui: é um tema tenso, que o duo acaba por, finalmente, conseguir resolver, terminando, assim, numa sensação de acalmia e relaxe.
Rumpus Room é experimentação de alto nível vinda de Itália, altamente criativa e original. Sem margem para dúvidas, o meu lançamento favorito da Amirani Records deste ano